segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

CURIOSIDADES 3 - Por que escrevemos ‘muito’ e falamos ‘muinto’


Do blog Sobre Palavras de Sérgio Rodrigues - Categoria 'Consultório' - Revista Veja

“Desde criança tenho dificuldades com a palavra ‘muito’. O som (a fonética) não corresponde à escrita na minha percepção. Para compreender a palavra, quando era criança, adicionava o N (apenas na imaginação!). Você teria alguma observação para esclarecer a minha dificuldade em particular?” (Adriana Lima)

A percepção de Adriana pode parecer cisma de criança, mas é um dos mistérios persistentes da gramática histórica de nossa língua. “Está à espera de solução o obscuro problema das vogais que se nasalaram sem terem após si n ou m”, escreveu o gramático Said Ali, o primeiro estudioso brasileiro a usar uma abordagem linguística de bases científicas.

Ou seja: para entender por que “muito” ganhou a pronúncia muinto, seria preciso explicar também por que o assi do português antigo virou “assim”, o mai virou “mãe” e o mia, “minha”.

Ainda assim, o caso de “muito” tem traços peculiares. Para começar, a palavra nunca teve a pronúncia nasal indicada graficamente por meio de til ou de qualquer outra forma. Said Ali anota ainda que, destoando dos casos acima, sua vogal tônica ainda não era nasal no tempo (século 16) do poeta Luís de Camões, considerado o pai do português moderno. Escreve ele que “o cantor d’Os Lusíadas ainda podia dar-lhe para rima fruito e enxuito”.

Uma explicação provável para a pronúncia muinto é que o m, embora vindo antes e não depois das vogais, tenha exercido uma influência de nasalização, como também em “mãe” e “minha”.

De qualquer forma, o melhor que Adriana pode fazer nesse caso é relaxar e entender que as relações entre pronúncia e grafia nem sempre são muito cartesianas. Se fossem, não poderíamos, por exemplo, escrever “fizeram” e falar fizérão.

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